quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Se eu pudesse acabar há um segundo

Eu queria que tudo acabasse agora.
E não é culpa minha.
Não é falta de sorte, isso não existe.
Não é destino, isso não existe.
Não é falta de esforço, ou talvez seja.
Mas não é culpa minha.
Quem sabe se tudo acabasse agora, eu não sofresse o amanhã.
Se eu soubesse que a partir de hoje não sentiria mais nada.
Sofro e vejo sofrimento. Quero acabar com isso.
Mas se eu não visse, que diferença faria?
Se tudo acabasse agora, eu não precisaria levantar da cama. Sentar à mesa. Cortar o pão. Passar a manteiga. Queimar a boca com café. Escovar os dentes.
E depois estudar. Pra trabalhar. E só curtir o dinheiro. Quando a saúde não mais permitisse.
Se esse momento jamais acabasse, se o mundo acabasse nesse momento, se o mundo acabasse esse momento, com esse momento, e se acabasse, se acabasse, quando se acabasse, eu não faria mais nada?
Porque fazer nada parece tão bom e é tão vago.
Se acabasse agora, seria incompleto?
Se houvesse uma linha de chegada seria tão mais fácil.
E não é culpa minha.
Tentei sorrir. Respirar. Dormir. Respirar. Comer. Respirar. Ler. Respirar. Ouvir. Não respirar. É tudo finito, não é nada garantido.
O felizes para sempre é tão bonito. Como se aquela festa no final de um filme durasse pra sempre. Todos alegres. Os problemas resolvidos.
Eu não temeria, se acabasse há um segundo, quando não acabasse.
E o que você faz quando todos os seus sonhos se tornaram realidade?
E se a satisfação bastasse.
Mas não basta?
Se eu não precisasse decidir?
Se eu não tivesse que perseguir?
Mas e quando acabasse, agora, se acabasse, acabaria mesmo assim?
Para onde iria isso que sinto agora, meu caminho pretendido?
Queria poder culpar alguém.
Queria que chorar resolvesse.
Gostaria que sorrir resolvesse.
Mas nada acaba, porque eu quero sempre mais?
E eu? Tenho culpa eu. Tenho culpa?
Qual é o objetivo. Eu não sei?
Quem sabe se tudo acabasse, se quando acabasse, eu enfim descobriria, e no meu fim eu satisfeito acabaria, e talvez até a mim mesmo eu culparia


Guilherme Schnekenberg

sábado, 18 de dezembro de 2010

Termos Politicamente Incorretos: Anarquismo


             É muito comum ouvirmos por aí termos que não significam realmente o que a pessoa está tentando dizer. Existem termos que historicamente adquiriram um sentido conotativo de certa forma oposto ao seu significado pretendido.
            O termo judiação, associado a uma espécie de tortura. Esta palavra deriva do termo que descreve as pessoas de religião judaica, que tem o objetivo de torturar tanto quanto qualquer outra religião séria: nenhum! Na realidade, não é desconhecida a origem desta conotação: no regime nazista, eram cometidas inúmeras atrocidades contra alguns grupos tidos como inferiores, especialmente os judeus. A partir daí, é um pulo para as línguas preguiçosas começarem a falar que a tortura é, de alguma maneira, um ato judeu.
            Isso acaba criando na cabeça das pessoas imagens, idéias que não condizem com os verdadeiros desejos de partes da população que querem um mundo diferente. As formas de governo pelas quais passamos e os valores ideológicos impostos desde que nossos avós eram crianças continuarão firmes enquanto cada pessoa não se informar corretamente antes de julgar o que quer para a sociedade em que vive.
            Outro termo erroneamente usado é o do anarquismo. Anarquia quer dizer “sem governo”. Essa doutrina surgiu a partir do movimento iluminista, que pregava a liberdade do indivíduo e que o homem é o centro de tudo. Os ideais anarquistas defendem o fim de toda forma de autoridade e dominação, formando uma sociedade livre, de igualdade e responsabilidade.
            O anarquismo propõe que em cada comunidade todos tomem as decisões juntos, assim sendo cada indivíduo responsável pelo próximo, e que cada uma dessas comunidades seja baseada em suas necessidades, com auto-abastecimento sem fins lucrativos e trocas entre os grupos.
            Tendo em vista que tudo que o anarquismo propõe visa satisfazer as necessidades do ser humano, especialmente a de liberdade, porque é que ainda ouvimos a palavra anarquia quando alguém se refere a uma bagunça?
            A seguir um vídeo sobre o Anarquismo, mostrando conceitos, alguns preconceituosos e outros corretos.

            É triste olhar para uma sociedade que julga dessa maneira um sistema que prima pelo bem de todos. É ridículo ver pessoas que estão educando outras pessoas e julgam um sistema político errado sem ao menos o conhecer. Não é a toa que os alunos reclamam de novas formas de avaliação que mostram a visão da sociedade que o jovem tem, já que seus próprios professores não se preocupam com a sociedade ao seu redor ao ponto de conhecer as várias perspectivas existentes. Por mais que tenham conhecimento aprofundado em suas áreas, ou não, todos que vivem em sociedade necessitam saber viver em sociedade.
            O problema é que na sociedade em que vivemos não se tenta enxergar os motivos do ser humano. O José Datena está quase todo dia na televisão falando mal de ladrões, que simplesmente chegaram ao ponto em que chegaram porque não tiveram outra opção, foram de alguma forma conduzidos, ou até mesmo ensinados, a “roubar”. E quem disse que estão roubando mesmo? Se naturalmente todos os recursos da terra são de todos, porque é errado o suposto ladrão tirar um pouco para sua ‘sub-existência’ de quem tirou inicialmente dos outros, por meio do seu privilegiado trabalho para explorar, vendendo a preços astronômicos para quem nunca teve uma oportunidade na vida? Pra mim, isto sim é uma bagunça.
            Nicolas Sarkozy questionou em um discurso, entre outras coisas: 'porque é que se culpa a sociedade pela marginalidade do indivíduo?' É porque a sociedade é culpada pela marginalidade do indivíduo! Revoltado com a abordagem de Sarkozy, eu afirmo: se o comportamento do ser humano é determinado exclusivamente pela sua cultura, de acordo com a ciência, porque este é culpado de algo? Mesmo que seus atos fossem fruto de determinações biológicas, o ser humano simplesmente não tem escolha. Não aprende nunca a viver, simplesmente vai vivendo como dá.
            O fato é que essa sociedade de propriedade livre e privada, duas características que a maioria adora, é o que causa a verdadeira violência. Segundo Jacques Rousseau, não houvesse a privação das coisas para um indivíduo causada por outro, não haveria violência e os seres humanos viveriam em paz com aquilo que precisassem sendo extraído da natureza sem nenhum excesso. Se a causa da bagunça fosse excluída, como o anarquismo propõe, a bagunça continuaria? Fica claro que não, uma vez que a sociedade anarquista garantiria aos seres humanos a paz e a fraternidade no convívio.
            Uma comunidade onde tudo ocorre sem coerção a paz imperaria, uma vez que todos os atos preservariam a sobrevivência de todos os seres humanos. Não haveria diferenças entre homens e mulheres por exemplo, nenhum dos dois seria dominado pelo outro, e assim qualquer ser que tivesse como objetivo para sua felicidade a felicidade de todos poderia viver em paz. Mesmo nos casos de psicopatas: caso a sociedade inteira se sentisse responsável pelo bem comum, e todos estivessem engajados a oferecer melhores condições a tais doentes psíquicos, eles não chegariam a cometer crimes.
            Se todos os recursos fossem utilizados obtendo frutos iguais para todos, alcançaria-se finalmente a igualdade justa, obtida quando tudo que é naturalmente de todos é aproveitado igualmente por todos.
            É claro que se exigiria dos seres humanos uma responsabilidade maior. As pessoas teriam que abdicar dos valores culturais que defendem a injusta propriedade privada e a falta de compreensão para viver numa sociedade plena. E uma sociedade anarquista penaria se aplicada a todo um país: como 180 milhões de habitantes decidiriam juntos que cultura agrícola utilizar? Mas isso dependeria de resolvermos os problemas em pequenos grupos que dependeriam muito de outros para a troca de mercadorias.
            De qualquer maneira, sabe-se que em poucos sistemas encontra-se uma universalidade como a do anarquismo, já que é o único que enfatiza que tudo é para uso de todos, como o direito natural “garante”, e que o ser humano é livre para fazer o que quiser, e limitado apenas para fazer aquilo que realmente prejudique o próximo.

Guilherme Fernando Schnekenberg

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Como ser ético pode ser um ato de educar?

            O homem não vive sozinho, coexiste com sua cultura, em uma ordem moral, onde os seus atos, desde que visem o bem, são tidos como éticos.  Por conseqüência nossos atos devem ser justificados em atos éticos, e estes atos sustentem e melhorem a natural convivência social. Podemos ter educação sem termos ética, um exemplo seria a do grupo nazista ou da televisão grande educadora nos mostrando que devemos consumir mais e mais. Educação esta fundamentada nos bons hábitos e o gosto pelos bons hábitos está fundamentado na transmissão da ética. Devemos apresentar ética e moral em nossos atos no ambiente escolar e também em toda a comunidade. Todos somos exemplos para aqueles que cotidianamente convivem no ambiente escolar. Todos os valores e atitudes são aprendidos na escola. Os currículos escolares permitem fundamentação para compreensão da participação social e política, o conhecimento dos direitos e deveres, ser solidário e cooperador, interagir positivamente no respeito ao próximo, cooperar e ser contrário às injustiças, crítico, responsável, apto a mediar conflitos e preparado para assumir o conflito. Não são objetivos de fácil compreensão e uso, mas todos devemos privilegiar atitudes éticas solidárias, o resultado em geral é positivo.
Reflexão para o curso próFuncionário, curso técnico de formação para os funcionários da educação do Estado do Paraná
Luiz Fernando Schnekenberg

sábado, 20 de novembro de 2010

A Consciência Negra



            No dia 20 de novembro de 1965 foi assassinado Zumbi, o grande líder do quilombo dos Palmares. Enquanto existiu, e até mesmo depois de sua destruição, o quilombo foi um grande estímulo à luta dos escravos pela liberdade.
            Em homenagem a Zumbi, e em busca de preservar a memória histórica da luta contra a escravidão, foi estabelecido o Dia Nacional da Consciência Negra, pela lei Nº 10.639. Essa data é importante para manter viva a lembrança da cultura negra, fundamental na história brasileira. Além disso, essa data é um símbolo para a luta contra o racismo, em um país onde as pessoas teimam em dizer que as minorias sócio-culturais não sofrem preconceito, é um dia fundamental para a luta pelos direitos dos negros não apenas na constituição, e sim na prática. Mas será que tal data tem realmente cumprido sua função?
            Na época da colonização do Brasil por Portugal, a produção de açúcar foi de extrema importância na economia, com benefícios até para os holandeses, que dominavam o comércio do açúcar. A mão-de-obra indígena já não era suficiente para os engenhos de açúcar, graças às epidemias difundidas pelos europeus e à cultura indígena, difícil de ser rompida. Já a escravização dos negros era aceita até pela Igreja Católica: os portugueses explicavam-na com uma interpretação da bíblia, dizendo que na arca de Noé, um dos filhos dessa personagem teria zombado do pai quando este estava bêbado. Quando Noé voltou á sua plena consciência, os outros filhos teriam contado isto ao pai, que condenou o terceiro filho à submissão para com os outros dois. O filho que deveria ser submisso teria dado origem aos povos negros, e os outros teriam sido os ancestrais de brancos e asiáticos. Além de tudo isso, o tráfico de negros era lucrativo, pois gerava impostos para a Coroa Portuguesa.
            Assim, a mão-de-obra africana foi a base das atividades econômicas brasileiras. Porém, é óbvio que mesmo produzindo, os escravos não tinham acesso a um consumo livre de tudo que necessitavam. Os senhores dos engenhos apenas garantiam comida e outras necessidades básicas para os escravos a fim de garantir sua produção, não poderiam deixar de dar “combustível a suas máquinas”.
            É embasando-se nessa grande exploração que surge a necessidade das ações afirmativas para os negros. Cotas para negros são questionadas devido ao preconceito cognitivo levantado: “por acaso os negros são mais burros que os brancos para precisarem de vagas exclusivas no ensino superior?”. O fato é que cientificamente não há raças, estas são apenas construções sociais, e por isso não se pode viver em sociedade dividindo-a de acordo com características étnicas: cada indivíduo pode assumir inúmeras identidades culturais dentro de uma comunidade. Partindo desse fundamento, as próprias cotas para os negros podem ser consideras um preconceito, uma vez que os negros têm irrefutavelmente a mesma inteligência que os brancos.
            Mas sabemos também das atrocidades cometidas contra os negros na escravidão. Com o fim da escravatura, fruto de interesses econômicos ingleses, os negros perderam seus postos de trabalho e passaram a viver em uma sociedade onde precisavam de emprego para consumir, mas não tinham capacitação para tal, na maioria das vezes. Isso acarretou em condições de vida piores para os negros do que para os brancos. Até hoje pode se ouvir, se tratando de uma piada ou não, que um negro é mais desonesto ou menos capacitado que um branco, por mais que seja crime. A questão da honestidade é lembrada porque os negros precisavam roubar por mais alimento, numa época em que tinham apenas as sobras da casa grande e um conforto mínimo em suas vidas.
            Em uma sociedade onde a herança existe para os bens, a herança histórica deve ser considerada legítima também. A partir do momento em que podemos herdar os frutos do trabalho de nossos pais, que não são obviamente fruto do nosso próprio, os negros também devem ter direito ao que teria sido fruto da produção de seus ancestrais na época da colonização. A falta de oportunidades que foi imposta deve ser compensada com as cotas, já que não tivesse sido essa desigualdade sócio-racial, essas pessoas que hoje têm acesso às cotas para negros não necessitariam delas. É claro que aí não podem estar inclusas as pessoas que já passaram por uma ascensão social, afinal, seria dar mais oportunidades ainda a tais pessoas.
            Além da desigualdade social causada pela diferenciação entre as ditas raças humanas, o Dia da Consciência Negra vem nos lembrar de onde nós viemos. O Brasil é um país de enorme miscigenação, onde o preconceito – contra qualquer tipo de grupo de identidade – não pode mais ser admitido. A cultura africana teve grande influência no Brasil, e por isso não pode ser esquecida com o tempo. Há quem defenda a necessidade de um dia de consciência vermelha, amarela e até branca, tendo em vista sua opinião de que um dia de consciência negra representa um símbolo de luta apenas pelos interesses do grupo dos negros. O problema é que vivemos em um país onde muitas vezes se negou, e se nega até hoje, a existência do preconceito, principalmente racial. Assim como mulheres, índios, homossexuais, e outros grupos desprivilegiados de certos direitos na prática, os negros sofrem um preconceito implícito até mesmo em piadas que muitas vezes parecem inocentes, e são vorazmente defendidas como tal. Já está de alguma forma marcado na cultura que um negro tem mais chances de ser “bandido” do que um branco. Um pensamento completamente ignorante, e ignorado pelos próprios praticantes. Se um negro mal vestido passa ao lado de um carro com as portas destrancadas, se ouve um “clec!” causado pelo medo de quem está do lado de dentro. Já com os brancos isso vai acontecer bem menos, mesmo estando com os mesmos trajes. Imagine então para conseguir um emprego, especialmente um cargo de confiança!
            É por tudo isso que se faz necessário a divulgação e valorização da história africana. Vivemos em um país que não valoriza muito a sua própria cultura “branca”, e muito menos a vinda de influências negras. Este ano foi aprovado pelo presidente um estatuto que garante aos negros, entre outras coisas, a posse das terras dos quilombos aos descendentes dos grupos dessas terras. Essa conquista é plenamente justa, porque isto é o mínimo que se faria por um filho de latifundiário. Mas a ideologia dominante sempre é a da classe dominante, que justifica os direitos das pessoas de nível econômico elevado e condena os direitos das pessoas de nível mais baixo. Agora continua se pagando pouco aos trabalhadores; por mais que seja mais que na escravidão, só é dado aquilo que dê aos donos dos meios de produção legalmente o direito de continuar se apoderando da força de trabalho. A exploração continuou, e os escravos, agora sem dono, não foram super visados pela sociedade devido ao baixo poder de consumo. E depois de tudo isso devemos aos negros no mínimo um acesso um pouco mais justo à universidade e à democracia, na teoria e na prática.

Guilherme Fernando Schnekenberg

sábado, 13 de novembro de 2010

ENEM


            “O ENEM foi um sucesso!”, afirmou o presidente Lula. Os candidatos que fizeram as provas amarelas que o digam.
            No final de semana passado, dias 6 e 7 de novembro foi aplicada a prova mais concorrida de acesso ao ensino superior. Na minha sala de aplicação, não creio que estudantes tenham tido problemas, afinal, a primeira coisa que a fiscal alertou ao distribuir o cartão de respostas foi sobre a ‘troca’ do que estava escrito acima do local para marcação de respostas: onde estava escrito “Ciências Naturais e suas Tecnologias” era para estar escrito “Ciências Humanas e suas Tecnologias”, e vice-versa, de acordo com a ordem das duas áreas no caderno de questões. Confesso que não fosse o aviso da fiscal, eu, como muitos outros que agora reclamam de um erro desses, não teria lido tais “títulos” e teria prosseguido marcando as respostas apenas de acordo com os números das questões. No primeiro dia, recebi a prova amarela, sem nenhum erro de impressão, com 90 questões, nenhuma repetida, nenhuma em branco nem com pedaços que pareciam faltar. Além disso, não percebi ninguém reclamando de tais erros. Não é por isso que eu ache que não tenha havido problemas no ENEM. Além de problemas como esses que não aconteceram na minha prova, notícias falam também de um possível vazamento do tema da redação.
            A respeito das críticas ao ENEM, tem dois fatores que considero importantes. Um deles é que existem forças políticas contrárias ao ENEM, obviamente que dentro até do INEP. O próprio jornalista Bóris Casoy falou sobre isso no Jornal da Noite na semana passada. Creio que um dos motivos dessa opinião contrária ao ENEM é o fato de que, não fossem o vazamento de temas de redação e provas, e os erros de impressão nas mesmas, o ENEM seria realmente um sucesso, um dos muitos sucessos do governo Lula. O INEP possui até um sistema para definir a dificuldade das questões e saber por meio delas se o aluno acertou muitas questões por chute. Uma prova que consegue [quase] tirar o fator sorte ao entrar na faculdade tem que ser considerada um avanço muito grande, na educação e na diminuição da desigualdade social. Significaria investir em faculdades públicas para alunos realmente interessados nas questões relevantes da sociedade, e não aqueles que tinham dinheiro para pagar uma ótima escola particular e ainda um cursinho pré-vestibular.
            Outro ponto a ser levantado é a dificuldade da prova e a relevância da mesma no futuro profissional. Dentro do meu entendimento de como o Brasil funciona, o ensino médio é não apenas uma preparação para o ensino superior, mas essencialmente uma preparação para a vida. Vi em redes sociais virtuais muitas pessoas reclamando a importância do conhecimento sobre feijão tropeiro na vida. Isso é cultura brasileira, porra! É revoltante como as pessoas reclamam de algo que faz SIM diferença. Um ponto importante dessa discussão é o conhecimento da cultura brasileira, num país cujos jovens desvalorizam imensamente a música brasileira, de ontem e de hoje, para idolatrar bandas estrangeiras. Para mim, isto é uma problemática do imperialismo: não faz mal ter cultura, afinal o ser humano e seus gostos são determinados por ela, o ruim é quando um grupo se utiliza desses processos psicoculturais para manipulação e seu autobeneficiamento acima dos direitos de escolha dos outros.
            A questão sobre o feijão tropeiro era completamente interpretativa, apenas lendo o texto antecedente e tendo uma capacidade mínima de interpretação se podia responder corretamente a questão. Além disso, dentre as pessoas que não gostaram do estilo da prova estão algumas que assistiram minha palestra em 2008, que envolveu esse assunto e garantia um acerto nessa questão. Aliás, havia pelo menos mais uma questão que quem assistiu minha palestra podia acertar de cara. Mas tenho plena certeza de que alguns erraram, por pura falta de interesse. A prova do ENEM mede um conhecimento de mundo, de meio ambiente, a capacidade de interpretação, de calcular coisas relevantes no futuro e de se expressar defendendo embasadamente um ponto de vista. O ENEM é mais interdisciplinar que os vestibulares tradicionais, não foca naquilo que o estudante vai rever na faculdade. O fato é que os estudantes de alto nível econômico que passam no vestibular vão reclamar de estar re-estudando algo que já aprenderam no ensino médio, e já lhes foi cobrado até no vestibular. Afinal de contas, sempre reclamam do que não é fácil, mas não tentam ver os problemas realmente dificultosos dos outros com os mesmos olhos de piedade, afinal, para eles esta piedade só funciona quando é para eles mesmos.
            Graças ao fato do ENEM não cobrar mais aquilo a que as pessoas podem adquirir apenas em um cursinho, um colégio particular ou um dos raros colégios públicos de qualidade elevada, isso as faz reclamar de uma situação que deixa as pessoas mais iguais. Faz sentido, já que está dentro da cultura da maioria lutar apenas pelos interesses individuais. Não cabe a mim julgar o egoísmo: ele é ensinado pelos nossos pais quando eles vêm alguma notícia ruim na televisão e falam “O que eu posso fazer?”, e nos mostram que devemos lutar pela nossa própria qualidade de vida, e assim sendo, cada um por si e tentando puxar o Estado a seu próprio favor. Não é a toa que jovens esbravejavam nas redes sociais virtuais lutando contra as forças políticas esquerdistas da situação. Estão começando a viver em uma sociedade onde não podem mais se dar ao luxo de ficar na sala de jantar enquanto comem uma gostosa broa de milho feita pela preta que serve a casa, e têm de ir a favor de seus interesses. O problema é que este é o primeiro governo no Brasil que não lutou tanto pelas elites, mesmo que falte muito a fazer pelas pessoas desfavorecidas economicamente.
            Há um costume em dizer que o importante é investir em ensino superior para avançar na tecnologia, quando há falhas no ensino básico! Não nego que os engenheiros e médicos pesquisadores me permitiram uma grande qualidade de vida, junto com as oportunidades e o modo como meus pais foram criados. Há quem ache errado o Estado investir em “oportunidades” para quem não se esforça tanto, mas não enxergam que tais pessoas se esforçariam tanto quanto qualquer um se tivessem os mesmos incentivos. Porque um pobre é obrigado a trabalhar o dia inteiro e só ter acesso a um curso de licenciatura, se um filho de ricos pode ir num carrão pra faculdade de medicina, bem dizer, sem nunca ter feito nada pelas próprias pernas durante a vida inteira?
            Como o ENEM coloca essas pessoas mais humildes com quase as mesmas chances de passar em uma faculdade que os ricos, aqueles que têm um nível econômico mais alto passam a desvalorizar e tentar derrubar um processo no qual não têm mais vantagens que os outros. Além de tudo satirizam uma prova na qual nem sabem se foram bem, mas tem que manter uma imagem entre os amigos.
            E não é apenas o ENEM. Hoje existe ProUni, FiEs e outros financiamentos estudantis... enfim, outras políticas públicas que tornam mais aberto o mercado de trabalho a quem ontem tinha que aceitar de boca fechada consumir bem menos que os outros. Acho que o problema a partir de agora é que talvez não demore e aconteça como acontece no mercado de trabalho e alguém ache uma super solução (que renda-lhe dinheiro) e ajude mais os ricos a passar até no ENEM, o que seria entender a sociedade a nossa volta sem reconhecer que seus problemas necessitam de solução, simplesmente ignorar as ciências humanas. O importante é que pelo menos o primeiro passo numa caminhada para a redemocratização do acesso ao ensino superior e à melhor qualidade de vida para todos já foi dado.

Guilherme Fernando Schnekenberg

O Machismo na Política Brasileira


            Há duas semanas o eleitorado brasileiro foi às urnas decidir quem ocupará o cargo mais importante do país pelos próximos quatro anos. Com uma abstenção de aproximadamente 20%, a eleição terminou com a vitória da candidata Dilma Rousseff, que teve o equivalente a 55% dos votos válidos – quase 12 milhões de votos a mais que o candidato José Serra.
            Mas o que a eleição da primeira presidenta do Brasil mostra da relação entre machismo e política?
            Sempre o homem esteve mais associado do que a mulher a trabalhos que exigem mais esforço físico. Na política, que carrega uma forte imagem de disputa e necessidade de forte voz de comando, este preconceito entra em cena quando se pensa que uma mulher não vai ter a mesma capacidade de estar no controle do governo. Há ainda a idéia de que “talvez as mulheres tenham estômago pior do que os homens”, e por isso não atuem tanto no atual cenário político geral.
            Uma grande parcela da população relaciona a política diretamente com a corrupção, se esquecendo, na maioria dos casos, que são elas quem tem o poder de escolher quem comanda o governo; por isso, quem manda em um país é, indiretamente, a sua própria população. Na Grécia antiga, os cidadãos iam para uma “assembléia” de nove em nove dias, a fim de chegar em conjunto a soluções para os problemas. É claro que não devemos copiar inteiramente um sistema político que tinha como natural a escravidão e não garantia direitos às mulheres, sobretudo o direito de voto. As mulheres eram consideradas, e continuaram sendo por um bom tempo, meios de produção, um mero instrumento de procriação. Mesmo com esse conceito de democracia, por vezes tido como distorcido atualmente, todos os cidadãos se interessavam pela política.
            O sistema político ao qual estamos subordinados não nos permite uma participação tão direta nas decisões que abrangem todos os indivíduos, mas permite que de quatro em quatro anos escolhamos um líder para a sociedade; um líder que, acompanhado de outros escolhidos pela população, vai decidir as finalidades, regras e prioridades do país.
            Para aumentar a participação política feminina, há uma norma que diz que 30% dos candidatos das chapas eleitorais dos partidos deve ser mulher. Nas eleições de 2010, apenas 21% dos candidatos era do sexo feminino, enquanto um pouco mais de 50% do eleitorado brasileiro é composto por mulheres.
            O machismo está tão naturalmente presente em nossa sociedade que até a beleza da candidata Dilma Rousseff foi questionada. Teve quem não gostasse dela só por olhar em seu rosto e implicar com um suposto botox. Já o candidato José Serra também não é dos mais bonitos, mas sua beleza e charme não foram trazidos a tona além da brincadeira.
            “Eu fui votar no domingo pensando no momento histórico que estamos vivendo”, disse a professora de história Marcia Rodrigues. A professora afirma que um país machista, conservador e preconceituoso como o nosso, diante de todas as formas truculentas que foram utilizadas para não permitir que uma mulher se tornasse presidenta do Brasil, ter conseguido eleger uma mulher foi um importante momento de rompimento.
            Em um país em que as mulheres têm os mesmos direitos que os homens apenas na constituição é importante a escolha de uma representante desse grupo para garantir na prática direitos iguais a ambos os sexos.
            “A mulher percebe mais coisas do que o homem. Não sei exatamente como isto vai funcionar no governo, mas a mulher tem uma capacidade melhor, uma intuição, que leva ela a compreender melhor as questões sociais”, diz Marcia Aparecida Lopes Saab, também professora de história. A professora lembra ainda que na América Latina o machismo é bastante presente, portanto também foi uma vitória para os outros países a escolha de mulheres como chefes de Estado.
            Segundo a professora Marcia Rodrigues, é importante fazer esta discussão de gênero porque os grandes nomes lembrados na história são de homens. Onde está a mulher nisso tudo? “A mulher participou da história e não apareceu. Homem e mulher têm que caminhar lado a lado”. Segundo a professora, já há piadas com relação à mulher: “Ou o país avança ou retrocede, porque estacionar a mulher não consegue”.
            Entretanto, é claro que a situação do país não é importante apenas pelo aumento da participação feminina em aspectos importantes da sociedade.
            “Tenho certeza que nesses quatro anos de Dilma ela vai fazer a diferença. Ela não vai governar apenas para as mulheres, mas para homens, para mulheres, para crianças, para jovens e todos os outros”, diz confiante a professora Marcia Rodrigues.
            “A escolha desta candidata foi importante não apenas pelo fato de ser uma mulher, mas principalmente pela proposta de continuação de um modo de governar que está dando certo”, diz Marcia Aparecida Lopes Saab. A escolha da população deve ser por uma forma de fazer política que não seja tão favorável às privatizações.
            Portanto, a escolha de Dilma para presidenta não é importante só graças à luta pelos direitos femininos, mas fundamentalmente pela sua proposta de governo. Dilma domina os assuntos políticos, por isso tem todas as chances de desenvolver o país e continuar diminuindo o abismo que é a desigualdade social. Foi neste governo, o primeiro no país que não foi de um representante das elites, que além de dar melhores oportunidades na vida a pessoas mais humildes, o crescimento econômico se mostra grande como não foi em governos que se diziam primar pelo desenvolvimento. O desenvolvimento não deve ser considerado tão importante ao lado das condições de vida das pessoas, acredito que deve-se ter como prioridade garantir às pessoas a satisfação de suas necessidades de sobrevivência e que se ensine como buscá-las, se não, independentemente de ser uma mulher ou um homem no governo, o país não será plenamente justo.
Guilherme Fernando Schnekenberg
Agradecimentos
Marcia Aparecida Lopes Saab, professora de História da UTFPR
Marcia Rodrigues, professora de História do Colégio Estadual Professor Eugênio Malanski

A Indigestão Social


            A indigestão é um termo comumente utilizado para a descrição de vários sintomas corporais em resposta àquilo que você consome. A indigestão social ocorre quando algo na sociedade não nos agrada.
            Os avanços tecnológicos, dos quais tanto se fala, mas não são difundidos entre todos os indivíduos, não devem ser considerados o principal na sociedade, e sim o ser humano e seu trabalho. É nesta situação social que é importante uma conscientização da população, já que ninguém vai deixar de comer o filé mignon para dividir com aqueles que prepararam a carne e fizeram para si mesmos uma sopa com o osso da carne.
            Essa exploração tem que acabar? Vai do pensamento de cada um, desde que seja de fato um pensamento, e não uma dominação ideológica. Não podemos negar que a tecnologia traz qualidade de vida e nem que vivemos em uma sociedade com problemas, portanto devemos achar as soluções para a vida em sociedade com uma qualidade de vida. Tudo isso porque vivemos uma sociedade onde o que o indivíduo faz depende da sociedade, da sua cultura, e os atos praticados em sociedade dependem de como os indivíduos se relacionam, uma interdependência infinita que determina o modo como vivemos. Isto quer dizer que não se deve estudar o indivíduo sem a sociedade, há uma profunda relação entre as ciências sociais e a psicologia. Por tudo isso é fundamental a comunicação entre psicologia, filosofia, sociologia, história, geografia, política, antropologia com a ajuda das artes e da literatura; é importante que o indivíduo conheça as ciências chamadas de humanidades, já que delas depende sua vida.
            Não é necessário concordar, apenas dialogar em busca de uma solução.
            “Essa busca de saídas para resolver as contradições entre produção e escassez – de alimentos, de água, de moradia, de escolas, de segurança, de saúde, de lazer... de acesso à ‘diversão e arte’ – transforma o ser humano em um ser que supera limites. Assim, uma indagação deve permanecer quando olhamos os problemas e vemos a dor e o sofrimento de muitos: ‘Você tem fome de quê?’ ” – Dr. Katya Picanço.