sábado, 20 de novembro de 2010

A Consciência Negra



            No dia 20 de novembro de 1965 foi assassinado Zumbi, o grande líder do quilombo dos Palmares. Enquanto existiu, e até mesmo depois de sua destruição, o quilombo foi um grande estímulo à luta dos escravos pela liberdade.
            Em homenagem a Zumbi, e em busca de preservar a memória histórica da luta contra a escravidão, foi estabelecido o Dia Nacional da Consciência Negra, pela lei Nº 10.639. Essa data é importante para manter viva a lembrança da cultura negra, fundamental na história brasileira. Além disso, essa data é um símbolo para a luta contra o racismo, em um país onde as pessoas teimam em dizer que as minorias sócio-culturais não sofrem preconceito, é um dia fundamental para a luta pelos direitos dos negros não apenas na constituição, e sim na prática. Mas será que tal data tem realmente cumprido sua função?
            Na época da colonização do Brasil por Portugal, a produção de açúcar foi de extrema importância na economia, com benefícios até para os holandeses, que dominavam o comércio do açúcar. A mão-de-obra indígena já não era suficiente para os engenhos de açúcar, graças às epidemias difundidas pelos europeus e à cultura indígena, difícil de ser rompida. Já a escravização dos negros era aceita até pela Igreja Católica: os portugueses explicavam-na com uma interpretação da bíblia, dizendo que na arca de Noé, um dos filhos dessa personagem teria zombado do pai quando este estava bêbado. Quando Noé voltou á sua plena consciência, os outros filhos teriam contado isto ao pai, que condenou o terceiro filho à submissão para com os outros dois. O filho que deveria ser submisso teria dado origem aos povos negros, e os outros teriam sido os ancestrais de brancos e asiáticos. Além de tudo isso, o tráfico de negros era lucrativo, pois gerava impostos para a Coroa Portuguesa.
            Assim, a mão-de-obra africana foi a base das atividades econômicas brasileiras. Porém, é óbvio que mesmo produzindo, os escravos não tinham acesso a um consumo livre de tudo que necessitavam. Os senhores dos engenhos apenas garantiam comida e outras necessidades básicas para os escravos a fim de garantir sua produção, não poderiam deixar de dar “combustível a suas máquinas”.
            É embasando-se nessa grande exploração que surge a necessidade das ações afirmativas para os negros. Cotas para negros são questionadas devido ao preconceito cognitivo levantado: “por acaso os negros são mais burros que os brancos para precisarem de vagas exclusivas no ensino superior?”. O fato é que cientificamente não há raças, estas são apenas construções sociais, e por isso não se pode viver em sociedade dividindo-a de acordo com características étnicas: cada indivíduo pode assumir inúmeras identidades culturais dentro de uma comunidade. Partindo desse fundamento, as próprias cotas para os negros podem ser consideras um preconceito, uma vez que os negros têm irrefutavelmente a mesma inteligência que os brancos.
            Mas sabemos também das atrocidades cometidas contra os negros na escravidão. Com o fim da escravatura, fruto de interesses econômicos ingleses, os negros perderam seus postos de trabalho e passaram a viver em uma sociedade onde precisavam de emprego para consumir, mas não tinham capacitação para tal, na maioria das vezes. Isso acarretou em condições de vida piores para os negros do que para os brancos. Até hoje pode se ouvir, se tratando de uma piada ou não, que um negro é mais desonesto ou menos capacitado que um branco, por mais que seja crime. A questão da honestidade é lembrada porque os negros precisavam roubar por mais alimento, numa época em que tinham apenas as sobras da casa grande e um conforto mínimo em suas vidas.
            Em uma sociedade onde a herança existe para os bens, a herança histórica deve ser considerada legítima também. A partir do momento em que podemos herdar os frutos do trabalho de nossos pais, que não são obviamente fruto do nosso próprio, os negros também devem ter direito ao que teria sido fruto da produção de seus ancestrais na época da colonização. A falta de oportunidades que foi imposta deve ser compensada com as cotas, já que não tivesse sido essa desigualdade sócio-racial, essas pessoas que hoje têm acesso às cotas para negros não necessitariam delas. É claro que aí não podem estar inclusas as pessoas que já passaram por uma ascensão social, afinal, seria dar mais oportunidades ainda a tais pessoas.
            Além da desigualdade social causada pela diferenciação entre as ditas raças humanas, o Dia da Consciência Negra vem nos lembrar de onde nós viemos. O Brasil é um país de enorme miscigenação, onde o preconceito – contra qualquer tipo de grupo de identidade – não pode mais ser admitido. A cultura africana teve grande influência no Brasil, e por isso não pode ser esquecida com o tempo. Há quem defenda a necessidade de um dia de consciência vermelha, amarela e até branca, tendo em vista sua opinião de que um dia de consciência negra representa um símbolo de luta apenas pelos interesses do grupo dos negros. O problema é que vivemos em um país onde muitas vezes se negou, e se nega até hoje, a existência do preconceito, principalmente racial. Assim como mulheres, índios, homossexuais, e outros grupos desprivilegiados de certos direitos na prática, os negros sofrem um preconceito implícito até mesmo em piadas que muitas vezes parecem inocentes, e são vorazmente defendidas como tal. Já está de alguma forma marcado na cultura que um negro tem mais chances de ser “bandido” do que um branco. Um pensamento completamente ignorante, e ignorado pelos próprios praticantes. Se um negro mal vestido passa ao lado de um carro com as portas destrancadas, se ouve um “clec!” causado pelo medo de quem está do lado de dentro. Já com os brancos isso vai acontecer bem menos, mesmo estando com os mesmos trajes. Imagine então para conseguir um emprego, especialmente um cargo de confiança!
            É por tudo isso que se faz necessário a divulgação e valorização da história africana. Vivemos em um país que não valoriza muito a sua própria cultura “branca”, e muito menos a vinda de influências negras. Este ano foi aprovado pelo presidente um estatuto que garante aos negros, entre outras coisas, a posse das terras dos quilombos aos descendentes dos grupos dessas terras. Essa conquista é plenamente justa, porque isto é o mínimo que se faria por um filho de latifundiário. Mas a ideologia dominante sempre é a da classe dominante, que justifica os direitos das pessoas de nível econômico elevado e condena os direitos das pessoas de nível mais baixo. Agora continua se pagando pouco aos trabalhadores; por mais que seja mais que na escravidão, só é dado aquilo que dê aos donos dos meios de produção legalmente o direito de continuar se apoderando da força de trabalho. A exploração continuou, e os escravos, agora sem dono, não foram super visados pela sociedade devido ao baixo poder de consumo. E depois de tudo isso devemos aos negros no mínimo um acesso um pouco mais justo à universidade e à democracia, na teoria e na prática.

Guilherme Fernando Schnekenberg

3 comentários:

  1. Como eu já te disse, achei um pouco generalizado demais e realmente discordo da sua teoria de "temos que pagar o sofrimento que nossos ancestrais causaram aos dos negros".
    Em relação a cotas, eu discordo! Acho que, SIM, é uma forma "amena" de preconceito. Mas, se os negros se sentem tão vítimas desse preconceito, pq aceitam e fazem uso do mesmo?
    Parabéns pelo blog Kabelinhoo! ;**

    ResponderExcluir
  2. Na verdade, não é tanto pelo sofrimento dos ancestrais. É que eu acho que, como eles tiveram, e têm, muito menos oportunidades que nós, pela história da escravidão e pelo preconceito que existe no mercado trabalhista, nós devemos compensar a falta de oportunidades, já que vivemos em uma sociedade onde uns se apropriam de bens, que são naturalmente de todos, para lucrar.

    ResponderExcluir
  3. eu concordo com tudo o que vc disse
    Até nós mesmos, inconscientemente fazemos piadinhas sórdidas e escrotas preconceituosas, mas... fazer o que? faz parte da cultura.

    ResponderExcluir